O Mercado de Carros Elétricos Usados no Brasil: Oportunidades e Desafios

Carro elétrico usado em posto de recarga no Brasil

O mercado de veículos elétricos no Brasil vem passando por transformações significativas nos últimos anos. Se há uma década existia apenas um modelo disponível no país – o BMW i3 –, hoje o cenário é completamente diferente, com mais de 30 opções de carros elétricos circulando pelas ruas brasileiras. Esse crescimento acelerado tem impulsionado não apenas o mercado de veículos novos, mas também criado um segmento cada vez mais relevante: o de carros elétricos usados.

Um mercado em expansão, mas com particularidades

O aumento nas vendas de carros elétricos zero-quilômetro, que atingiu a marca inédita de 41 mil unidades emplacadas ao longo de 2024, tem alimentado naturalmente o mercado secundário. Conforme dados da Federação dos Revendedores de Veículos Usados (Fenauto), entre janeiro e julho de 2024, as vendas de carros eletrificados (incluindo elétricos e híbridos) usados cresceram impressionantes 90% no Brasil, totalizando 33 mil unidades, das quais 83% têm até três anos de uso.

Esse crescimento, no entanto, vem acompanhado de características peculiares que diferenciam o mercado de elétricos usados do tradicional mercado de veículos a combustão. A principal delas, sem dúvida, é a desvalorização acentuada que esses veículos sofrem após saírem das concessionárias.

Desvalorização: o grande desafio dos elétricos usados

Um dos aspectos mais surpreendentes do mercado de carros elétricos usados no Brasil é a velocidade com que esses veículos perdem valor. Segundo estudos da Kelly Blue Book (KBB), os veículos elétricos usados no Brasil podem desvalorizar até 47% nos primeiros dois anos ao serem trocados por modelos novos.

A Webmotors, principal plataforma de venda de seminovos e usados no país, reportou uma desvalorização média de 12% nos preços dos carros movidos a bateria em 2024. Esse percentual é o dobro dos 6% de depreciação observados nos veículos híbridos e quase seis vezes maior do que a média de desvalorização dos veículos seminovos com motor a combustão (em média, de 2,25%).

Consultores automotivos ouvidos pelo portal AUTOTEMPO indicam que carros 100% elétricos com dois a três anos de uso e baixa quilometragem estão sendo vendidos por até 45% abaixo da tabela Fipe. Em alguns casos, o valor de revenda chega a ser menos da metade do preço original pago pelo veículo novo.

Essa desvalorização acentuada tem múltiplas causas. O consultor automotivo Milad Kalume, ex-CEO da Jato, explica que a grande preocupação dos compradores de carros elétricos usados é a durabilidade da bateria. “Estudos mostram que a bateria de um elétrico dura em torno de 8 anos. De forma prática, quando você precisa repor essa bateria o custo ainda é muito alto, basicamente, responde pelo valor total do veículo. Fica inviável, é carro para ser descartado”, destacou Kalume em entrevista ao AUTOTEMPO.

Outros fatores que contribuem para essa desvalorização incluem a carência de mão de obra especializada para lidar com falhas mecânicas dos carros 100% elétricos e a ainda limitada infraestrutura de recarga de baterias no país.

Infraestrutura: um gargalo persistente

De acordo com dados da Tupi Mobilidade, associados à Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), o Brasil tinha até agosto de 2024 apenas 10.622 pontos de recarga públicos e semipúblicos disponíveis. Além disso, deste total, a maioria, 89% dos carregadores, são de corrente alternada (AC), de carga lenta (9.506), que leva horas para recuperar a carga da bateria, enquanto somente 11% são de corrente contínua (DC), de carga rápida (1.109).

Essa limitação na infraestrutura de recarga é um dos fatores que mais pesam na decisão de compra de um carro elétrico usado, uma vez que a autonomia e a facilidade de recarga são preocupações centrais para os potenciais compradores.

Modelos mais acessíveis no mercado de usados

Apesar dos desafios, o mercado de carros elétricos usados oferece oportunidades interessantes para consumidores que desejam entrar no mundo da eletromobilidade com um investimento menor. Conforme levantamento da revista Quatro Rodas, existem diversas opções de carros elétricos usados por menos de R$ 100.000 no Brasil. Vamos conhecer alguns deles:

Renault Kwid E-Tech – a partir de R$ 65.000

Atualmente o carro elétrico zero-quilômetro mais barato do Brasil, o Renault Kwid E-Tech pode ser encontrado no mercado de usados por valores ainda mais acessíveis. Embora não seja um carro tão comum na revenda, é possível encontrar unidades por cerca de R$ 65.000, geralmente com mais de 50.000 km rodados. Seu motor elétrico entrega 65 cv e 11,5 kgfm, com bateria de 26,8 kWh que proporciona autonomia de 185 km segundo o Inmetro.

BYD Dolphin Mini – a partir de R$ 75.800

Mesmo sendo um lançamento recente, o BYD Dolphin Mini já pode ser encontrado no mercado de usados. Com poucos quilômetros rodados, algumas unidades são anunciadas por cerca de R$ 75.800, embora a maioria esteja na casa dos R$ 99.000. Seu motor entrega 75 cv e 13,8 kgfm, com bateria de 38,8 kWh que proporciona autonomia de 280 km, a maior entre os modelos usados mais acessíveis.

Caoa Chery iCar – a partir de R$ 76.000

Por um tempo, o Chery iCar foi o carro elétrico mais barato do Brasil. No mercado de usados, é encontrado com facilidade por menos de R$ 80.000, geralmente com quilometragem abaixo de 20.000 km. Seu motor tem 61 cv e 15,3 kgfm, com bateria de 30,4 kWh que permite rodar por 197 km segundo o Inmetro.

JAC E-JS1 – a partir de R$ 80.000

Outro modelo que já foi o carro elétrico mais acessível do país, o JAC E-JS1 pode ser encontrado no mercado de usados por cerca de R$ 80.000 com aproximadamente 29.000 km rodados. Seu motor entrega 62 cv e 15,3 kgfm, com bateria de 30,2 kWh que proporciona autonomia de 161 km. Um ponto de atenção é que o modelo não é compatível com a maioria das estações de recarga no Brasil, que utilizam o padrão Tipo 2, enquanto o subcompacto chinês conta com o padrão chinês, exigindo o uso de adaptadores.

Renault Zoe – a partir de R$ 86.000

Para quem busca um elétrico um pouco mais refinado, o Renault Zoe pode ser uma boa escolha, embora seja mais difícil de encontrar. Algumas unidades são anunciadas por R$ 86.000, geralmente com mais de 80.000 km rodados. Seu motor entrega 92 cv e 22,4 kgfm, com bateria de 41 kWh que proporcionava autonomia de aproximadamente 210 km.

Caoa Chery Arrizo 5e – a partir de R$ 90.000

Lançado em 2019 e descontinuado apenas dois anos depois, o Arrizo 5e é um sedã compacto elétrico raro no mercado, mas que pode ser encontrado por valores entre R$ 90.000 e R$ 100.000. Como foi usado principalmente por frotas, a quilometragem costuma ser alta, chegando até 100.000 km. Seu motor elétrico entrega 122 cv e 28,1 kgfm, com bateria de 53,5 kWh que proporciona autonomia estimada em 225 km.

Nissan Leaf – a partir de R$ 96.000

Um dos primeiros elétricos do país, o Nissan Leaf é um hatch médio que pode ser encontrado com facilidade no mercado de usados, com preços a partir de R$ 96.000. Seu motor entrega 149 cv e 32,6 kgfm, com bateria de 40 kWh que proporciona autonomia de 192 km.

O impacto nas locadoras e frotistas

A alta desvalorização dos carros elétricos tem afetado não apenas consumidores finais, mas também grandes frotistas, como as locadoras de veículos. Segundo a Associação Brasileira de Locadoras de Automóveis (Abla), foram adquiridas 11 mil unidades de veículos eletrificados nos últimos anos, representando menos de 1% da frota total.

A maioria desses veículos está alugada para empresas e motoristas de aplicativos, mas a depreciação dos primeiros modelos elétricos vendidos chegou a 45%, frustrando totalmente as expectativas do setor. Isso tem levado as locadoras a reavaliar seus investimentos em frotas elétricas.

O impacto global também é significativo. No início de 2024, a Hertz, uma das maiores locadoras do mundo, desistiu de adquirir 100 mil Teslas e iniciou a venda de 20 mil carros elétricos por menos da metade do valor de compra, após registrar um prejuízo líquido de US$ 245 milhões (cerca de R$ 1,3 bilhão) no último quadrimestre de 2023 devido à desvalorização de sua frota.

Perspectivas para o futuro

Apesar dos desafios atuais, o mercado de carros elétricos usados no Brasil continua em fase de desenvolvimento e amadurecimento. Enilson Sales, presidente da Fenauto, destaca que qualquer comparação com o segmento dos veículos a combustão seria injusta neste momento.

“Tentar estabelecer, agora, semelhanças entre esses dois tipos/mercados (em termos de quanto cada um sofrerá um percentual de desvalorização), seria desigual e injusto. O nosso segmento continua entendendo a dinâmica desse mercado específico (dos eletrificados), e deve se adaptar gradualmente sobre como deverão proceder na avaliação dos eletrificados usados”, afirmou Sales.

Um estudo da Bright Consulting revelou que a depreciação média dos veículos elétricos no Brasil varia conforme a faixa de preço. Para veículos acima de R$ 300 mil, a depreciação média no primeiro ano é de 8%, enquanto para veículos abaixo desse valor, sobe para 15%. Isso indica que os modelos premium tendem a preservar melhor seu valor no mercado de usados.

Considerações para quem deseja comprar um elétrico usado

Para consumidores interessados em adquirir um carro elétrico usado, alguns pontos merecem atenção especial:

  1. Estado da bateria: Verifique a saúde da bateria e se o veículo ainda está dentro da garantia de fábrica para este componente, que geralmente é de 8 anos.
  2. Histórico de uso: Carros utilizados por frotas ou como táxi/aplicativo podem ter desgaste acelerado, mesmo com baixa quilometragem.
  3. Compatibilidade com infraestrutura: Certifique-se de que o modelo é compatível com os pontos de recarga disponíveis em sua região.
  4. Custo de manutenção: Pesquise sobre a disponibilidade de peças e mão de obra especializada para o modelo específico.
  5. Autonomia real: A autonomia informada pelo fabricante pode diferir significativamente da autonomia real, especialmente em veículos mais antigos ou com baterias já degradadas.

Conclusão

O mercado de carros elétricos usados no Brasil apresenta um cenário de contrastes: por um lado, oferece oportunidades para consumidores que desejam entrar no mundo da eletromobilidade com investimento reduzido; por outro, enfrenta desafios significativos relacionados à desvalorização acentuada, limitações de infraestrutura e incertezas quanto à durabilidade das baterias.

À medida que a tecnologia evolui, os custos de produção diminuem e a infraestrutura de recarga se expande, é provável que o mercado de elétricos usados se estabilize e encontre um padrão de desvalorização mais próximo ao dos veículos convencionais. Até lá, tanto consumidores quanto frotistas precisarão adaptar suas expectativas e estratégias para navegar neste mercado em transformação.


Fontes:

  • Revista Quatro Rodas – “Economize! Veja 7 carros elétricos usados que custam menos de R$ 100.000”
  • O Tempo/AUTOTEMPO – “Carros elétricos no Brasil enfrentam alta depreciação e estoques em excesso”